As novas tecnologias estão invadindo o campo. Máquinas hiper avançadas, sofisticados controles de gestão, robótica, internet das coisas e muitas outras tecnologias estão modificando o cenário até então bucólico do campo. É um caminho natural e, pensando bem, até que demorou a chegar ao nosso produtor rural.
Com a população mundial em constante crescimento e estimativas sugerindo que em 2050 nós seremos quase 10 bilhões de pessoas no mundo, buscar fontes de alimentos que consigam atender toda esta demanda é um dos nossos grandes desafios.
Numa palestra que assisti, na recente Expodireto, do sempre brilhante Paulo Herrmann, presidente da John Deere, uma afirmação dele me chamou a atenção: que somente 60% do potencial dos recursos da alta tecnologia embarcada nos seus tratores de última geração são utilizados.
Fazendo uma analogia com o nosso dia-dia de executivos de marketing ou de profissionais de qualquer segmento, quanto você utiliza recursos de um processador de texto Word – que eu estou utilizando neste momento, por sinal – ou de um Excel ou outro software qualquer? Apenas o necessário para darmos conta do recado, concordam?
Entender e saber extrair o melhor das principais novidades desta nova forma de trabalhar, a agricultura de precisão, também chamada “agricultura 4.0”, é uma obrigação para o produtor que quer ter os melhores resultados, mais produtividade para sua lavoura e estar antenado neste novo cenário.
Por isso esta palavra, muito atual, reskilling, cuja tradução aproximada é “requalificação”, tem tanta importância, hoje em dia, no nosso agronegócio. Significa, essencialmente, aprender novas habilidades, a fim de tornar-se apto a realizar um trabalho diferente ou melhorar o seu atual.
Para entender este novo momento, conversei com especialistas neste tema.
Jeffrey Abrahams, fundador da Abrahams Executive Search, afirma que quem não entender que tudo está mudando está totalmente fora do mercado de trabalho. “Os profissionais de agora, que trabalham em empresas que lidam e interagem com os produtores rurais, serão obrigados a mudar, principalmente, na sua atitude e o lado comportamental. A inclusão digital veio para ficar, o home-office veio para ficar. Este novo profissional tem de entender que terá de trabalhar com menos recursos, usando o máximo de tecnologia a seu favor, mas também ser mais empático e transparente na relação com o produtor rural. No caso de gerentes agrícolas, o conhecimento de telemática, de inteligência artificial e de análise de dados é fundamental para manter a sua empregabilidade. Esta enxurrada de startups está trazendo estes temas e inovações para o campo, que é uma fábrica a céu aberto, onde você tem controle sobre os custos, mas não sobre os preços da produção. Por isso, tudo que tem relação com produtividade e ganho incremental, são ferramentas e habilidades que valorizam este novo profissional do agronegócio. Mesmo se não tivesse acontecido a pandemia, este cenário estava acontecendo, só que com menor velocidade. Agora tudo acelerou. E tem mais a falta de crédito e o aperto financeiro, que desafiam mais ainda este executivo. Conhecimento sobre a legislação do setor, payback, saber ler balanços são habilidades que o profissional treinado pelo agro muitas vezes não tem. As universidades e escolas especializadas no agro têm trabalhado este tema, mas com muitos gaps, e este executivo, que tem, na sua vida, vários ciclos e estágios profissionais, acaba sendo lapidado pelas empresas. Quem tem bom potencial acaba crescendo. As oportunidades estão aí”, conclui Jeffrey.
Na opinião de César Burjaili Braga, Partner & Head of Agribusiness do Hub Talent, esta antiga resistência à tecnologia que se verificava no campo, entre os produtores, está sendo rapidamente passada para trás e ficando no passado. Diz César: “Na cadeia de produção, seja para uma vaga para cargos de gerência de unidade, gerência de fazenda ou gerência técnica, na qual ele será responsável pelos aspectos de manejo etc, é muito presente que este profissional esteja antenado e que tenha isto como estilo, seja curioso, esteja acompanhando as tendências e busque informação, muita informação. Isto vem mudando muito rápido. Se ele não estiver se reinventando, não terá vez neste novo e desafiador cenário”.
O que todos concordam é que a responsabilidade pela carreira é do próprio indivíduo. “Não podem esperar que as empresas promovam conhecimento. Tem de ir atrás. Este é um ponto de consciência fundamental que o novo profissional que ter. O mundo vai selecionando”, diz César.
Também a questão do idioma é levantada por especialistas como uma grande barreira de entrada, principalmente entre os grandes players do setor, na sua grande maioria, empresas multinacionais. “No agro, se sofre muito com a falta do inglês. Encontro excelentes profissionais, mas que não dominam o idioma universal, deixando de ter oportunidades interessantíssimas e acesso a estas empresas”.
O gestor do Pulse, o hub de inovação da Raízen, Ricardo Campo, que orquestra e conecta o trabalho de diversas startups, universidades, investidores, executivos e organizações, para moldar um futuro mais inteligente para o nosso agronegócio, concorda que o atual cenário pandêmico tem acelerado, forçosamente, a digitalização do campo.
Diz Ricardo: “No cenário em que nos encontramos, já se vê menos resistência por parte dos gestores agrícolas para adoção de soluções que permitem a gestão da operação à distância, a compra e a venda de insumos por plataformas de marketplace, assim como a digitalização de rotinas administrativas, que poderia levar muito mais tempo para virar realidade. A necessidade de testar novas tecnologias e aprender rápido, com maior tolerância ao erro desde que disso resultem melhores processos e resultados, é um jeito de pensar comum no ecossistema de inovação, mas ainda pouco praticado no meio rural. Essa mudança de mindset provavelmente seguirá um novo ritmo no pós-pandemia e contribuirá com o melhor uso dos recursos produtivos no campo. Isso é algo positivo e trará grande impacto em toda a cadeia, passando inclusive pelos centros acadêmicos e de formação dos novos profissionais do agro”.
Enfim, a busca permanente por conteúdo e informação para se requalificar profissionalmente deve ser um mantra para todos, e não só para os jovens que estão ingressando numa carreira no agronegócio. Navegar em um mundo em eterna mudança pode assustar, mas isso não tem mais volta. Ao infinito…e além, como diria Buzz Lightyear.
Por Alberto Meneghetti, Diretor da ABMRA e CMO da Neodigital